Médico atira em médico e comete suicídio – violência em três perspectivas

11301534A notícia do médico que baleou outro médico em São Paulo, e depois cometeu suicídio, impressiona por três aspectos de violência:

  • o suicídio de um médico: revisão sistemática mostra que a taxa de suicídio entre médicos é cerca de 1,5 a 2,3 vezes maior do que aquela da população geral. Pesquisa-se pouco sobre o tema, e os poucos estudos disponíveis apontam que médicos geralmente se sentem desconfortáveis em procurar ajuda de colegas e acabam negligenciando as próprias condições de saúde, principalmente as de saúde mental. (1)
  • As sempre mobilizadoras mortes em díade, homicídio-suicídio (no caso tentativa de homicídio). Dentre as várias teorias que tentam explicar a díade, Roy Baumeister descreve “um processo de colapso e desintegração do sentido da vida” desencadeado por expectativas não cumpridas. Em geral construímos sentidos na vida que acabam por garantir a nossa existência futura. A ruptura destes sentidos pode colocar indivíduos vulneráveis em xeque. Assim, o suicídio é também comumente visto em homens mais velhos, que tenham sofrido algum revés na profissão por exemplo. A díade seria vista desta maneira como uma extensão deste processo de autodestruição, com projeção de sentimentos de agressão para pessoas com relacionamento mais próximo. Por isso a grande maioria dos crimes de homicídio-suicídio ocorre entre membros da mesma família após dissolução (ou ameaça de dissolução) desta. A relação médico-paciente é outra situação particular que envolve certo grau de intimidade e expectativas importantíssimas para o sentido da vida. (2)
  • A violência contra aquele que cuida. Relatos de agressão a médicos e a profissionais da saúde em geral têm sido cada vez mais frequentes. Vejo nestes casos, assim como no caso dos professores, por exemplo, uma crescente perturbação nas relações humanas de troca, onde aqueles que cuidam da saúde, assim como aqueles que educam, perdem valor social e são afrontados por conta de insatisfações, de frustrações pessoais e muitas vezes pela própria banalização da violência. Se observarmos que a regra no país é a falta de regra e a ilegalidade, a começar pelos que governam, tais atitudes podem ser encaradas em parte como efeitos colaterais de uma sociedade onde vemos um processo generalizado de perda de valores.

(1) Schernhammer ES, Colditz GA. Suicide rates among physicians: a quantitative and gender assessment (meta-analysis). Am J Psychiatry 2004, 161:2295-2302.

(2) Starzomski A, Nussbaum D. The self and the psychology of domestic homicide-suicide. Int J Offender Ther Comp Criminol 2000, 44(4):468-479.