As decapitações e o Estado Islâmico – como entender o terrorismo?

sotloff2Face aos acontecimentos recentes envolvendo a execução de prisioneiros por defensores do Estado Islâmico, perguntamo-nos quais seriam as razões que levam seres humanos a defender ideologias tão radicais e a tomar tais atitudes contra outros seres humanos. Depois do 11 de setembro as iniciativas para tentar entender o comportamento terrorista e a formação destes grupos aumentaram sensivelmente. Não há ainda hoje uma teoria unificadora sobre este tipo de conduta, evidentemente pela dificuldade em avaliar esta população. Mas já foram lançadas algumas importantes hipóteses sobre o assunto.

A hipótese que primeiramente se levantou foi a de que estas pessoas possuiriam algum tipo de distúrbio mental. As evidências, no entanto, apontaram que na média os terroristas são tão normais quanto a população geral. O que se observa é um discreto grau de exacerbação do narcisismo em alguma destas pessoas. Kevin Lanning (2002) sugere que “se a abordagem psicodinâmica for empregada para que entendamos a psicologia do terror, ela não nos ajudará mostrando que terroristas são diferente de nós, mas sim que eles são iguais a nós”.

Em não havendo ligação com psicopatologia, alguns teóricos passaram a entender o terrorismo como uma escolha racional feita dentro da lógica peculiar destes indivíduos. Atos violentos seriam vistos como escolhas voluntárias dentro de uma organização por razões políticas e sociais, seguindo a lógica do grupo, e não como resultado de fatores psicológicos.

Mas como racionalizar o terror? Este processo lógico envolveria justificação moral de atos violentos (por interpretação falaciosa e fundamentalista de textos sagrados), seguida pela desconsideração das consequências destes atos, da desumanização e da atribuição de culpa (a outros). Apesar de cada grupo terrorista muitas vezes diferir quanto à ideologia, observa-se que há em comum exatamente estes processos lógicos, associados a uma extrema polarização entre o bem e o mal e a uma retórica absolutista. O discurso extremado de “nós” contra “eles” aumentaria a ameaça “deles” contra o grupo, e acabaria assim 1) fortalecendo a coesão interna do grupo, e 2) aumentando o ódio contra aqueles extra-grupo. Outras falácias como a interessante Teoria do Mundo Justo (os desafortunados são assim porque o merecem) são tendências lógicas dos seres humanos aproveitadas pelo discurso terrorista, que acaba virando uma inscrição moral para seus participantes.

Não obstante, os riscos individuais ao entrar para um grupo terrorista (morte, captura, etc.) não justificariam esta escolha “lógica”. Teria de haver também algum tipo de benefício para o indivíduo.

Estudiosos da área dizem que não é possível traçar uma “personalidade terrorista”, mas sugerem que em geral terroristas apresentam processos internos intensos de “divisão e externalização”. Ocorre uma profunda divisão entre o bem e o mal no próprio indivíduo, e ele é incapaz de unir estes seus lados. As partes ruins são externalizadas (na forma de ameaças externas) e as boas mantidas, o que muitas vezes ressoa com a extrema polarização apresentada pelos grupos terroristas (bom x mau, nós x eles). Outro fator importante seria a presença de uma personalidade autoritária. Em tais personalidades co-ocorreriam etnocentrismo (o grupo/indivíduo é o centro e é melhor do que todas as pessoas outras fora dele) e conservadorismo político e econômico. Além disso, faria parte deste tipo de personalidade um alto grau de agressividade, propensão a submissão, cinismo e rigidez de pensamento. Outra observação importante é a de que terroristas em geral passaram por experiências violentas na infância, e em geral viveram com privação de recursos econômicos e emocionais.

Todos estes processos podem corroborar para um sentimento de injustiça pessoal. Assim, escreve Andrew Silke (2006) que “qualquer sociedade irá conter algumas minorias ou grupos descontentes (com ou sem razão) que acreditarão que o mundo os tem tratado mal. Quando um indivíduo se identifica com estes grupos, ele começa a compartilhar o sentimento de injustiça, combinado com uma sensação de pertencimento ao grupo em questão. Basta adicionar um evento de vida pessoal grave catalisador como violência extrema a ele ou contra aqueles que ele ama, e o caminho para a participação no grupo terrorista está aberto”. A identificação com o grupo elevaria assim o valor próprio. Consequentemente, “pelo fato de a identidade social (grupal) se tornar parte do auto-conceito do indivíduo, uma ameaça contra o grupo é uma ameaça contra si mesmo”.

Agressões ao grupo viram ameaça de desintegração do indivíduo, que reage ao risco de eliminação com atos de extrema violência.

Outro fator interessante dos grupos terroristas é que eles combatem o autoritarismo de outros grupos (ou países), mas são eles mesmos extremamente autoritários. A maneira de eliminar este paradoxo é eliminar aqueles que duvidam do grupo e evidenciam este contrassenso: sair do grupo terrorista por discordância de qualquer sorte, por exemplo, é impossível; sai-se apenas se o destino for o cemitério, escreve Jerrold Post (1998). O autoritarismo interno serve também para fomentar a violência voltada para o externo.

 


 

Ref.: Rogers MB, Loewenthal KM, Lewis CA, Amlot R, Cinnirella M, Ansari H. The role of religious fundamentalism in terrorist violence. A social psychological analysis. Int Rev Psychiatry 2007, 19(3):253-262.