Virgínia Woolf e o transtorno bipolar

virginia_woolf_10Muitos se perguntam se haveria alguma relação entre criatividade e transtornos psíquicos em escritores. Frequentemente estas pessoas são atingidas por tais doenças, como foi o caso de Ernest Hemingway, atormentado pela depressão conforme relatei aqui, e como foi o caso também de Virginia Woolf.

Conforme relata Katerina Koutsantoni(1), de antemão a escritora parecia possuir predisposição genética para o desenvolvimento de distúrbios do humor: o pai dava sinais de ciclotimia, com rompantes de irritação alternados com momentos de intensa melancolia; uma meia irmã fora institucionalizada antes de completar 18 anos devido a sintomas compatíveis com a esquizofrenia; o avô de Woolf era uma pessoa taciturna e reclusa; um tio terminou sua vida deprimido em um manicômio, morrendo por ter parado de comer, segundo relatos. Em sua conturbada vida Virgínia teve uma primeira crise aos 13 anos com o falecimento da mãe. Os sintomas naquela época eram de depressão mas misturavam-se também risos imotivados e  excitabilidade psíquica, que poderia ser interpretada como parte de um episódio misto do transtorno bipolar. Outras duas grandes crises irromperam aos 22 anos, com a morte do pai, e depois mais tarde, aos 31 anos, possivelmente após uma discussão com o marido. Os episódios de humor de Virginia eram precedidos por insônia, agitação psicomotora e angústia, que eram perceptíveis aos familiares. Quem vive com a doença, ou com um parente com o distúrbio, sabe que estes são sinais de alerta para o início de um novo episódio. Mas se por um lado antever uma crise hoje em dia pode ser considerada uma boa coisa, pois há como se abortá-la com medicamentos, naquela época não havia terapêutica suficientemente eficaz, e prever um episódio de alteração de humor poderia ser muito angustiante. Era com certa frequência que ouvia vozes durante estes períodos também. Com diversas tentativas de suicídio ao longo de sua vida, acabou por finalmente se matar afogando-se no rio Ouse aos 59 anos, quando sentiu que outra crise estava por vir. Nesta última, dizia que estava ficando louca e que desta vez estava certa de que não mais voltaria do estado de loucura.

Apesar de alguns aventarem a hipótese de que Woolf sofria de estresse pós-traumático, o que se aceita como quase certo é que a escritora na realidade apresentava transtorno afetivo bipolar, com fases de depressão, de hipomania (agitação, euforia e estados de aceleração do pensamento patológicos), e fases de humor misto (hipomania e depressão concomitantes).

Há pesquisa sobre distúrbios psiquiátricos em escritores, mas em geral ela é dificultada por dois fatores; escritores e outros artistas relutam em serem vistos através de rótulos diagnósticos, e acreditam erradamente que diagnóstico e tratamento seriam espécies de enquadramentos de suas artes, tendo como efeito a diminuição da capacidade criativa. Em segundo lugar há também uma relutância das ciências médicas em encarar os distúrbios mentais em gênios criativos por um viés romântico, como muitas vezes é feito.

Neste sentido, a investigação mostrou que de fato estes profissionais têm uma taxa maior de distúrbios psiquiátricos em comparação com a população geral. Em uma pesquisa 80% dos escritores entrevistados disse ter tido algum episódio de alteração do humor alguma vez na vida, enquanto que para uma população de controle tal taxa foi de 30%. A prevalência maior foi de transtorno afetivo bipolar nas amostras pesquisadas. Outro estudo revelou que traços de personalidade como o psicoticismo estão relacionados à atividade criativa.

Assim, tanto o diagnóstico de transtorno bipolar quanto o traço de personalidade “psicoticismo” estão relacionados à criatividade e são mais presentes em escritores. O primeiro por possivelmente fornecer vivências afetivas intensas que podem fornecer material importante para a criação artística. O segundo por ser um traço que facilita o devaneio, a imaginação e a fantasia.

Não obstante, é de suma importância que ressalvas sejam feitas, justamente para que não se caia no erro de romantizar as doenças psiquiátricas; em Woolf, a fase mais prolífica de sua escrita foi após a segunda crise, quando encontrou longo período de remissão dos sintomas através do tratamento. Foi quando escreveu suas grandes obras, “Mrs Dalloway”, “Ao farol”, “Orlando”, “As Ondas”. Em crise, referia que “não conseguia pensar de maneira clara novamente”, perdia a concentração e ficava extremamente angustiada. Foi assim com Hemingway também, que mais produziu após melhora do seu quadro, depois de ter se submetido a sessões de eletrochoque.

O transtorno bipolar pode estar associado à criatividade, mas deve ser tratado, não para que se perca a capacidade de criar, pois isso não acontece, mas para que não se perca o gênio criador para a doença, como no caso de Virginia Woolf.

 

(1) Koutsantoni K. Manic depression in literature: the case of Virginia Woolf. Med Humanit 2012.