Não adianta ser do contra e achar que a tecnologia é algo do mal. É inegável o que ela traz de benefício às nossas vidas; o que ela ajuda e já ajudou a humanidade. Trabalhar do seu próprio smartphone a caminho do serviço, redes sociais promovendo o contato, mensagens de texto facilitando a comunicação, internet encurtando distâncias. Mas os críticos acabam sempre tendo um pouco de razão, principalmente quando falam dos excessos. Um dos principais argumentos é a invasão da vida do indivíduo, e a consequente dependência da tecnologia. Com a nova sensação do momento, o aplicativo Pokemon Go, a questão fica mais evidente.
Desde o seu lançamento diversos acidentes já foram relacionados ao game. Registros de acidentes de carros nos Estados Unidos e Japão, assaltos ao usar o aplicativo na rua, potencial uso por ofensores sexuais para atrair crianças, e por aí vai. Há poucos dias atrás o Irã tornou-se o primeiro país a banir o aplicativo, e em vários outros ele é lançado com alertas aos usuários, como por exemplo em Singapura.
A despeito de algumas teorias (conspiratórias?) que dizem que o aplicativo fornece dados para empresas de informações (o que não dá pra saber se é verdade ou não), Pokemon Go é mais uma manifestação de como a tecnologia procura tomar conta de todos os aspectos de nossa vida. Às vezes de maneira perigosa e disfuncional.
Isso acontece por dois motivos: pelo excesso, característico da contemporaneidade, e pela substituição.
Vemos o excesso quando o sujeito checa e-mail a cada cinco minutos no celular. Quando entra na internet dezenas de vezes por dia. Quando não consegue se desconectar do voyeurismo das redes sociais. Os gamers que passam horas jogando, em alguns casos chegando até a morte por inanição. Não percebemos mas a tecnologia pode sub-repticiamente tomar-nos o tempo, roubar-nos minutos preciosos de nossa rotina. Da mesma forma que o fumante reserva horas do dia para o cigarro (só o vai perceber quando pára de fumar, notando o tempo ocioso no qual estaria fumando), a tecnologia também pode nos roubar tempo valioso.
A substituição observa-se quando a tecnologia se insere na vida do indivíduo substituindo-lhe coisas essenciais. É quando o chat do Whatsapp substitui a conversa. Quando o facebook substitui o encontro. Naquela mesa de restaurante ninguém conversa, todos estão concentrados nos seus próprios smartphones. O papo do balcão de bar é interrompido por um aviso sonoro, por um tremelique, sempre avisando que ele está por ali, que você não pode tirar os olhos dele por muito tempo. O outro que troca o sair de casa e o encontrar-se com amigos pelo stalkear das redes sociais. Os shows e espetáculos que frequentemente são vistos através das lentes do aparelho.
Pela substituição e pelo excesso a tecnologia pode perigosamente invadir as nossas vidas. Pokemon Go tem este potencial: insere-se perigosamente na percepção de realidade da pessoa (como uma droga?) ao colocar os personagens no ambiente em que ela está. Visualizados através da câmera, misturando o real com o imaginário do aplicativo, pode confundir, “dopar” e alienar, gerando os acidentes mencionados. Substitui nossa percepção dos arredores pela visão digitalizada da câmera. Pela via do excesso pode realmente ser usado sem parcimônia; dirigindo carros, caminhando sem cautela pelas ruas. Gafes como posicionar os tais Pokespots em propriedades privadas, como casa de pessoas, por exemplo, já foram relatadas. A caça exagerada aos Pokemons pelas ruas da cidade já virou piada e gerou memes na internet. Mais uma quinquilharia eletrônica para tomar seu tempo, roubar sua realidade, e te prender ao celular.
Alguém ainda sabe jogar bafo, empinar pipa, rodar peão?