As redes sociais agitaram-se nos últimos dias por conta de duas mulheres de políticos brasileiros. Aparentemente ambas geraram polêmica por motivos distintos, mas um olhar mais cauteloso mostra que as razões de controvérsia não são tão diferentes assim.
A primeira foi Marcela Temer. Ao ser enaltecida como “bela, recatada e do lar” provocou intensa reação do público, criticando uma visão machista e patriarcal da mulher. Pois bem; mas e se a senhora Temer tivesse a mesma idade do senhor Temer, haveria tanta repercussão? É quase certo que não. Seria mais uma reportagem ao estilo Caras que teria passado batido. Mas a diferença de idade parece desautorizar Marcela. Teria Marcela algum déficit intelectual que a incapacitasse de tomar decisões? Parece que a bacharel em direito não tem. Teria sido ela cooptada por Michel? Pela família, pelos costumes? Não. Ela é apenas muito mais nova que Michel. Ainda assim, casou-se por livre e espontânea vontade. Uniu-se ao atual vice com 20 anos de idade, em sua maioridade, plenamente apta a fazer suas opções. Há uma crítica ao modelo patriarcal, que é legítima. Mas a crítica é feita subrepticiamente estereotipando Marcela em uma espécie de ser indefeso e incapaz, por conta da diferença de idade. Além de uma reprovação à discrepância de idade, é também uma reprovação às escolhas da moça. Escárnio às opções da senhora Temer. Conforme fala Mary del Priore (pesquisadora da história das mulheres brasileiras) em entrevista à BBC Brasil, vale lembrar que na década de 90 nos Estados Unidos, em resposta a diversos movimentos feministas com inúmeras nuances, muitas mulheres deixaram as grandes empresas, abandonaram suas carreiras, e defenderam o prazer que tinham de estar em casa, de serem donas de casa e cuidar dos filhos, se dedicar à vida doméstica. Apesar de ser controversa para muitos, essa é uma opção. Assim como muitos homens também escolhem ser donos de casa.
A outra mulher que gerou rebuliço foi Milena Santos, esposa do novo ministro do turismo. Esta, por motivo oposto. Mulher exuberante, vencedora de concursos de beleza e acostumada aos flashes das câmeras, decidiu tirar algumas fotos posando no gabinete do ministro. Façamos aqui um esforço sincero de abstração, para brincar com nossa moral hipócrita: se Milena fosse franzina, estivesse vestida com um conjuntinho pacato de moletom; teria gerado tanta discussão? Não. Se imaginarmos as mesmas fotos com uma pessoa diferente no lugar, poderia muito bem também ter passado desapercebido. O que incomodou foi uma mistura de sua atitude exibicionista a sua exuberância. Embutido neste incômodo há outra estereotipagem e reprovação a modelos. Ao modelo da mulher siliconada, objetificada em desejo do homem? Crítica à aparente falta de seriedade das fotos, alinhada à falta de seriedade do atual governo? Estas alegações têm seu lado de legitimidade. Mas novamente, de maneira sutil, no mesmo país dos desfiles de carnaval, há um falso moralismo travestido em uma impiedosa crítica à mulher que realiza o culto ao corpo, estereotipando Milena, pela sua atitude e pela sua imagem, a algo amoral. O outro lado da moeda do “bela, recatada, e do lar”.
Tenho certeza que o constrangimento pelo qual Marcela e Milena, mulheres independentes e bem sucedidas, passaram por terem exposto as próprias escolhas não tem nada de feminista. Podemos não concordar com os modelos que escolheram, mas não aceitar é também discriminação; o escárnio com que foram tratadas também é uma enorme discriminação.
Este texto de antemão já sai atrás por conta de uma grande desvantagem: ter sido escrito por um homem. Pai de três mulheres talvez ajude? Enfim, como pai, não quero que elas sejam “belas, recatadas e do lar”, assim como também não quero que cultuem seu corpo. Na verdade não quero é nada. Quem tem que querer são elas. Em sendo escolhas saudáveis, e em estando felizes, eu também hei de querer.