Bullying: empatia intra-grupo ou hostilidade inter-grupo?

Bullying - perspectiva sociológicaEtimologicamente o termo bullying tem origem no século XVI, mas só recentemente ele foi empregado para designar processos de dominação (física, emocional, verbal, etc.) entre crianças e adolescentes em escolas. O conceito ganhou amplitude e este primeiro processo passou a ser denominado como “school bullying” ao mesmo tempo em que surgiram diversos outros tipos de bullyings: cyberbulling, workplace bullying, gay bullying, etc.

O ato de por em prática o bullying pode estar relacionado a alguns traços de personalidade relativamente bem estudados, por exemplo. Mas haveria uma perspectiva sociológica para o bullying?

Sob um olhar social, tem-se que o sentimento de unidade de um grupo está diametralmente ligado a sentimentos aversivos direcionados a quem não pertence a ele. Dito de uma outra maneira, “a exigência de guerra contra outsiders é o que gera a paz entre insiders (1)”. Ou seja, para que determinado grupo adquira um senso de identidade, ele deve direcionar sentimentos hostis ou de reprovação a grupos rivais. Assim, solidariedade intra-grupo e hostilidade inter-grupos estariam relacionados, sendo faces da mesma moeda. Seriam assim indissociáveis?

Alguns autores defendem que ambas as condições andam juntas. O ser humano evolutivamente abriu mão da utilização de seus caracteres mais físicos, que o permitiria subsistir individualmente, para viver em cooperação. “Como espécie nós evoluímos para confiar na cooperação ao invés da força (2)”. Um sistema de cooperação, no entanto, envolve confiança. E para que haja confiança mútua entre as pessoas faz-se necessário que se delimite com clareza determinado grupo de pessoas para depositar confiança (família, amigos de escola, amigos de infância, colegas de trabalho, etc.). Quanto menor o grupo maior a confiança, via de regra. E um dos mecanismos de se delimitar tais grupos é traçar limites claros entre insiders e outsiders; através, por exemplo, da caracterização negativa de outsiders.

Assim, transpondo este olhar social de grupos para grupos menores (como os amigos de escola e colegas de trabalho, por exemplo), podemos entender o bullying do ponto de vista da dinâmica de grupos como uma tentativa de assegurar certa identidade de grupo, utilizando para isso pessoas que são concebidas como “diferentes” ou dissidentes do grupo.

Em uma cultura massificada onde crises de identidade são mais comuns (3,4), este olhar sociológico explicaria em parte também porque vemos hoje uma “epidemia de bullying” (5), talvez em uma tentativa de dar mais consistência aos grupos.

 

1. Brewer, M. The psychology of prejudice: ingroup love or outgroup hate? Journal of Social Issues 1999, 55(3):429-444.

2. Sumner, WG. Folkways. New York: Ginn (1906).

3. Frosh, S. Identity crisis: modernity, psychoanalysis, and the self. Routledge (1991).

4. Hobsbawm, E. Globalisation, Democracy and Terrorism. Little, Brown (2007).

5. Spivak, H, Prothrow-Stith, D. The need to address bullying – An important component of violence prevention. JAMA 2001; 285(16):2131-2132.