Psiquiatria de desastres: o terremoto no Nepal

earthquake_20110920085048Lembro-me de um terremoto ocorrido no Chile, alguns anos atrás, que chegou a ser sentido em algumas regiões do Brasil. Eu estava atendendo no consultório e senti um leve puxar do chão. Não dei importância, apesar de ter achado aquilo bastante estranho e incomum, e continuei atendendo. Depois soube pelo noticiário que de fato muitas pessoas notaram um pequeno abalo, reflexo do grande sismo chileno. O chão que pisamos é uma enorme referência para nós; é a parte que a todo instante nos faz ter contato (tato) físico com o mundo. É tão referêncial que se torna banal, e acabamos quase sempre esquecendo que ele existe. Destarte, situações extremamente anômalas como as de um terremoto, pondo incerteza naquilo que temos como mais certo, a saber, a Terra na qual andamos, podem gerar irreparáveis danos psicológicos, além dos evidentes danos físicos, ao ser humano.

O terremoto no Nepal atingiu cerca de 6500 pessoas, e até agora fez ao menos 3000 vítimas fatais, sendo considerado um dos maiores desastres naturais dos últimos tempos.

A Ásia é uma região comumente afetada por catástrofes naturais; o leste e sudeste do continente se situam no “cinturão sísmico circumpacífico”. É uma área com grande tensão sísmica devido à sobreposição de diversas placas tectônicas. Além da destruição gerada por terremotos, tsunamis ocorrendo como consequência podem ocasionar a perda de muitas vidas e a destruição de propriedades. Além destes desastres relacionados aos terremotos, o continente se situa ainda no cinturão de fogo, com frequentes erupções vulcânicas. Por fim, muitos países localizam-se também no que é chamado de “cinturão dos tufões”. De acordo com o Relatório Mundial de Desastres naturais de 2001, de 1967 a 1991 três bilhões de pessoas foram afetadas por desastres naturais, sendo que 85% delas estavam em países asiáticos.

Ao longo do tempo, estudos envolvendo os efeitos na saúde mental de sobreviventes de grandes desastres naturais, principalmente após a introdução de critérios mais operacionais para o diagnóstico de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), ficaram muito mais frequentes. Não obstante, muitas dúvidas ainda permanecem, como se por exemplo a psicopatologia decorrente atinge critérios para diagnóstico psiquiátrico, quais seriam os diagnósticos mais prevalentes, e se tais diagnósticos são transitórios ou duradouros.

Alguns estudos estão disponíveis para o terremoto Hanshin Awaji. O fenômeno ocorreu no Japão em 1995, atingiu 7,2 graus na escala Richter e afetou 3,5 milhões de pessoas em mais de 20 cidades. Os sintomas mais frequentes nos moradores de áreas afetadas foram alterações no sono, depressão, hipersensibilidade e irritabilidade. Pesquisas conduzidas em hospitais perto do epicentro deste grande terremoto demonstraram que os distúrbios ansiosos foram os mais frequentes no mês subsequente ao desastre. A frequência de tais distúrbios diminuiu lentamente com o passar do tempo. Quadros depressivos estiveram mais relacionados ao desemprego, enormes custos financeiros para a reconstrução da vida das pessoas, fadiga física e dificuldades em realocar o lugar de permanência. Assim como os quadros ansiosos, os depressivos também foram gradativamente se resolvendo ao longo de 1 ano. Surpreendentemente, neste mesmo estudo casos de TEPT foram diagnosticados em apenas 6 indivíduos de um total de 332 pacientes estudados. No entanto, estudos usando outros critérios apontam taxas de até 20% de TEPT nestas populações. A longo prazo, viu-se também que tais distúrbios psíquicos estiveram associados a uma piora da saúde física, como descontrole da glicemia em diabéticos, da pressão arterial em hipertensos, e assim por diante.

Um estudo chinês realizado após o terremoto de 1999 de Taiwan detectou que a presença de distúrbios psiquiátricos na população afetada era três vezes maior do que em uma população normal. A principal sintomatologia, neste estudo, esteve relacionada ao TEPT; sintomas de revivescência do desastre e estados de alerta estiveram muito presentes, enquanto que a dimensão de evitação e entorpecimento emocional foram infrequentes. Os estudos reforçam que há uma necessidade premente de se intervir precocemente na população afetada, e que deve se dar especial atenção às áreas adjacentes ao terremoto, já que muita ênfase se dá às cidades próximas ao epicentro enquanto que localidades mais distantes que também sofreram o impacto do desastre acabam sendo esquecidas.

Deixo aqui meu profundo desejo de que o país e seus moradores se recuperem desta terrível tragédia.

 

Ref.: Koka M, Fujii S, Shinfuku N, Edwards G. Natural disaster and mental health in Asia. Psychiatry and Clinical Neuroscience 2004, 58, 110-116.