“Neste exato momento estou em um avião para [cidade européia]. Espero que não seja nenhum piloto maluco…”
Trecho de e-mail que recebi de um pesquisador europeu em resposta a um pedido de informação sobre pesquisa. É claro que vai levar um tempo ainda para que europeus e cidadãos de todo o mundo consigam tomar um avião com tranquilidade.
O que espanta evidentemente não é apenas o suicídio, mas o homicídio atrelado. Corrigindo, os homicídios: 150, contando o auto-homicídio de Andreas Lubitz.
O ato foi impiedoso, cruel. Detalhes sórdidos como fato de o piloto ter tentado abrir a cabina trancada com um machado, a existência de um vídeo recuperado mostrando pessoas gritando ao som das machadadas na porta, a caixa preta mostrando que Lubitz apresentava respiração tranquila enquanto fazia o avião descer para a morte, dão tonalidade ainda mais macabra ao feito. Daí surge a necessidade de entender as motivações de um ato tão bizarro.
O tratamento psiquiátrico por um quadro depressivo grave aparece como um grande protagonista no caso. Lubitz teria sido tratado no passado por depressão, e no dia em que causou o acidente, deveria estar afastado do serviço. E de fato, pensar que o copiloto estaria atormentado por alguma patologia psíquica aplaca um pouco a agonia de tentar entender sua atitude.
Não obstante, quem examina a situação melhor vê que a ligação depressão–assassinato em massa pode ser colocada em cheque. Fatos: a incidência de depressão na população geral é de quase 20%. Ou seja, uma em cada cinco pessoas sofre ou já sofreu de depressão. Enquanto que o suicídio pode estar atrelado a um quadro depressivo, homicídio não está. Se assim fosse as taxas de homicídios em série seriam muito maiores, andando junto com as taxas de depressão. Poderia se alegar que quadros depressivos graves são mais raros; são menos frequentes, mas não são raros, e mesmo assim ainda teríamos um número enorme de aviões caindo do céu, ônibus sendo jogados em ribanceiras, colisões de trens, etc.
Em segundo lugar, Andreas admitiu a alguma ex-namorada o desejo de fazer algo grande. Vontade de ser reconhecido por um grande feito; foi o que executou, maquiavelicamente. Em terceiro lugar, Andreas omitiu informações sobre seu tratamento. Ao que se sabe foi trabalhar sendo que deveria estar afastado. Não é raro receber pacientes que precisam ser afastados, mas que relutam muito em levar um atestado onde consta um diagnóstico psiquiátrico à empresa. A questão em teoria deveria ser tratada em sigilo, de médico para médico do trabalho, mas sabemos que na prática não é o que ocorre. Apesar das altas cifras, pois até um terço da população geral tem ou já teve distúrbio psiquiátrico, a questão ainda é tratada como tabu. E Andreas estava afastado, mas deliberadamente escondeu a questão. Havia escondido sua doença muito possivelmente por medo que isso prejudicasse sua carreira, e escondeu no dia para executar seu plano homicida.
Homicídio em massa, desejo de ser lembrado por algo grande, deliberadamente esconder atestados para poder matar: isso não é depressão. Podemos aventar a hipótese, isso sim, de que o quadro depressivo turvou sua consciência, seu julgamento, levando a cometer esta atrocidade. Mas a atrocidade em si é da essência da pessoa de Lubitz, e não da depressão. Já ouvi pessoas indevidamente dizendo “coidado”. Mas Lubitz poderia ter se matado de diversas outras formas; como as pessoas com depressão por vezes o fazem. Além disso, podemos imaginar também uma situação fictícia onde o copiloto, não estando deprimido, fizesse a mesma coisa com o avião, por alguma frustração. Mas não podemos lançar a hipótese de que qualquer piloto com quadro depressivo vá fazer a mesma coisa. A essência do ato não é da doença.
No entanto, como todos viajam de avião, é difícil crer que a natureza humana por si só possa ter estes vieses. É mais fácil atribuir à depressão, pois é um fator externo à natureza humana. Ficamos assim um pouco mais protegidos da maldade humana, e afivelamos o cinto com um pouco menos de força.