A criatividade em geral é formada por dois componentes: a flexibilidade mental (a capacidade de achar soluções diferentes para o mesmo problema) e o pensamento divergente (pensar “fora da caixa”, habilidade de pensar diferente do que está sendo habitualmente conjecturado).
Há situações nas quais se pode testar a capacidade criativa de uma pessoa, como por exemplo através de dilemas éticos. Neles o indivíduo tem de pesar entre o desejo de satisfazer o interesse próprio e o desejo de manter uma visão positiva sobre ele mesmo. Um exemplo de estudos comportamentais: uma pessoa deve escolher entre duas salas para assistir um filme. Em uma sala está um indivíduo com deficiência física, em outra está uma pessoa sem problemas físicos. Quando o filme exibido é o mesmo, as pessoas tendem a escolher a sala onde está o deficiente físico. Quando os filmes são diferentes as pessoas em geral escolhem a sala com a pessoa sem problemas físicos, com o pretexto de que gostam mais daquele filme, desvelando na verdade o estigma da deficiência física.
Estudos mostraram que nestes dilemas as pessoas em geral tendem a resolver as tensões éticas através de racionalizações que beneficiem elas mesmas, utilizando para isso a criatividade. Ou seja, elas agem de maneira suficientemente “incorreta” para terem algum ganho através de seu comportamento antiético, mas agem também de maneira suficientemente honesta para manter um conceito positivo sobre ela mesma. Assim racionalizam e elaboram justificativas para que possam convencer a si mesmas de que tais desvios éticos são moralmente apropriados, e desta maneira não afetam sua imagem negativamente. Como realizar pequenas fraudes e justificar que a corrupção é generalizada, ou efetuar pequenas sonegações e argumentar que “se o governo rouba, então porque não poderia eu roubar?” Destarte, qualquer situação na qual haja espaço para justificar atitudes potencialmente incorretas ou egoístas pode estimular comportamentos antiéticos.
Um grupo de Harvard testou a associação entre criatividade e desonestidade em uma série de cinco experimentos, cada um envolvendo mais de cem pessoas. As pessoas eram colocadas em situações experimentais onde deviam acertar determinados testes, e a cada acerto ganhavam uma pequena quantidade de dinheiro. No entanto, em todos estes testes havia margem para pequenas trapaças, como corrigir os resultados a posteriori, interpretar os dados de maneira tendenciosa para favorecer a si próprio, etc. O que puderam verificar é que maior criatividade esteve associada a uma maior vulnerabilidade às pequenas trapaças. Puderam ver também que, quanto mais criativa a pessoa era, maior capacidade ela tinha de elaborar desculpas plausíveis para suas atitudes incorretas, e com isso se sentiam mais livres para cometerem atos antiéticos.
Os resultados ressoam com o que é chamado de teoria de credenciamento moral. Quando indivíduos tem ciência de suas boas ações morais, eles tendem a agir de maneira antiética em situações posteriores, acreditando terem adquirido
“créditos morais” para tal. Assim, ser capaz de gerar varias explicações (justificativas) originais, através da criatividade, para as próprias condutas antiéticas pode levar as pessoas a se sentirem autorizadas a trapacearem.
[Ref.: Gino, F., and D. Ariely. “The Dark Side of Creativity: Original Thinkers Can Be More Dishonest.” Journal of Personality and Social Psychology 102, no. 3 (March 2012): 445–459.]