Saúde mental e a crise político-econômica no Brasil

bsb1_400x400 A ligação entre saúde mental e macroeconomia não é nova. É conhecida desde os trabalhos seminais de Durkheim no final do século XIX. A premissa é simples; há laços que seguram o indivíduo na sociedade, que o inserem nela e que dão um sentido, um papel, a ele. Em momentos onde o senso de sociedade é menor (crises econômicas, grandes instabilidades sociais), as pessoas são deixadas mais às voltas com os próprios fantasmas. E aquelas vulneráveis sucumbem à doença mental.

Apesar de Durkheim ter formulado sua tese a partir de dados empíricos, muitos duvidaram de tal relação. Alguns estudos recentes defendem a ideia de que a recessão em um país pode ser saudável para a mente das pessoas. Apesar de contraintuitivo, aventam a hipótese de que as pessoas adotariam comportamentos mais saudáveis em tempos de crise (não incorrendo em consumo excessivo de álcool e alimentação por exemplo, ou ao adotar caminhadas ao invés de dirigir).

Apesar destas correntes contrárias, a maioria dos achados defende Durkheim. Artigo do Lancet de 2009 investigou a relação entre cenário macroeconômico e saúde pública em 26 países europeus entre 1970 e 2007. Aumentos rápidos e significativos no desemprego estiveram associados a uma maior taxa de suicídios e homicídios. Não obstante, os números totais de mortalidade não se alteraram. Ou seja, alguns tipos de fatalidades diminuíram enquanto que mortes prematuras por violência intencional aumentaram.

Outra publicação abordando o mesmo assunto avaliou a crise de 1998 em países asiáticos. No Japão, Hong Kong e na Coréia a crise relacionou-se a um aumento na taxa de suicídio. Nos outros três países tal correlação não foi observada. Desemprego e baixa renda são conhecidos fatores de risco para depressão. Além disso, desemprego aumenta 4 vezes o risco de suicídio, independente de doença psiquiátrica.

Sobre a crise na Europa no começo do século, a Organização Mundial de Saúde alertou que “não deverá ser nenhuma surpresa se observarmos maior estresse, mais suicídios e mais doenças mentais; os pobres e vulneráveis serão os primeiros a sofrerem, e defender o orçamento da saúde ficará mais difícil”.

No Brasil no momento não há nenhuma pesquisa sobre o assunto. E duvido que haverá, pois hoje foi anunciado corte de R$ 1 bilhão no Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. Mas também é difícil achar que vá ocorrer algo diferente. É evidente que as pessoas não estão felizes e satisfeitas com a crise. Quem trabalha com saúde mental percebe que as pessoas  estão mais estressadas, ânimos mais a flor da pele, que o fantasma do desemprego ronda a sociedade (E.T.: já não é mais um fantasma, indivíduos estão demitindo e sendo demitidos e a taxa de desemprego sobe a cada mês), que a insegurança social está no imaginário da população. Ao invés de proteger a população, o governo fez o contrário e reduziu a verba da saúde também; corte de R$ 2,5 em fevereiro deste ano. Associa-se a isso o estigma estrutural da saúde mental, que é o preconceito traduzido em pouca verba destinada à saúde mental quando comparada com o montante total da saúde. Deste montante, o Brasil destina vergonhosos 2,38% para a saúde mental (a cifra gira em torno de 7% em países desenvolvidos).

O cenário é lúgubre. Saídas? Apesar do clichê, resta-nos, primeiramente, ter esperança por um futuro melhor. Em segundo lugar, apontam também as pesquisas que em países onde existiam muitas organizações sociais (grupos religiosos, torcidas de times, etc.), o impacto na saúde mental coletiva era menor. Domingo haverá grande evento onde milhares torcerão por seu time. Em Brasília já organizaram divisão de torcidas (o famigerado tapume de 2 metros), e nesta semana as especulações sobre o “placar” estão a todo vapor. Coincidência? Só espero que isso possa fazer bem à saúde mental dos brasileiros, tanto pela primeira quanto pela segunda maneira.