Durante a minha residência conheci a senhora V. Internada na enfermaria de dermatologia, queixava-se de que seu braço estava infestado por vermes. Quando a conheci já haviam revirado a senhora dos pés à cabeça, e não acharam nada. Os exames estavam todos normais. Questionei V então sobre este terrível mistério. “Os exames estão todos normais. Como a senhora sabe que há vermes aí?” V respondeu: “Eu tenho certeza absoluta de que eles estão aqui, doutor!” Delírio. Uma crença inabalável, incorrigível, não condizente com a realidade. Por mais que ali ficasse e com ela argumentasse não iria tirar aquela ideia da cabeça dela.
Pois bem, depois da residência fui fazer filosofia. Na FFLCH-USP; núcleo historicamente esquerdista da universidade. Confesso certa simpatia pela esquerda. O questionamento, a mudança, a rebeldia. (Há um artigo sobre alinhamento político e tipo de personalidade que qualquer dia discutirei aqui.) Entre reflexões metafísicas e ontológicas, aprendi que por mais abstrato que um sistema filosófico seja, sempre há a preocupação do filósofo em ancorar seu sistema na realidade. Claro, pois sem o mínimo contato com o real, torna-se um sistema delirante.
O clima da faculdade era bom, leve. Mas volta e meia entrava um jovem, durante a aula, panfletando pequenos cartazes. Alguns de fato faziam sentido, enquanto outros eram desconexos e descontextualizados. Mas dá-se um desconto. Gostava sobretudo da atitude de questionamento, a coragem de colocar em xeque o establishment. Não obstante, o que alguns pecavam era exatamente num dos quesitos que os filósofos dedicam especial atenção (para não serem taxados de loucos): a conexão com o real.
A nomeação de hoje para mim é mais do que prova de que o atual governo já está fora da realidade há um bom tempo. A conexão com o real está débil, e hoje fica claro que estão tentando nos fazer engolir, à força, um regime que está dando errado faz tempo. Não adianta argumentar. Não vão fazer diferente. A besteira que estão fazendo é, para eles, uma verdade inabalável. Além disso, característica da atual gestão a propagação de mentiras como se fossem verdades. Usar uma carapaça bonita e nobre de reformas sociais para esconder a ânsia por poder e enriquecimento próprio e ilícito.
A esquerda delira quando Jandira se filma dizendo que o dito cujo está tranquilo enquanto que no fundo da imagem o mesmo está ralhando ao telefone.
A esquerda delira ao negar a realidade da crise, dizendo que ela não é assim tão grave quanto parece. (Levante a mão quem não conhece ao menos uma pessoa que perdeu o emprego nos últimos 6 meses)
A esquerda delira quando insiste em usar uma matriz econômica que já não deu certo no passado, achando que desta vez vai funcionar.
A esquerda delira quando acha que as reformas sociais feitas anteriormente servem para negar da realidade os desvios bilionários na Petrobrás para favorecer comparsas.
A esquerda delira quando conta 1 ao invés de 5 na Paulista.
A esquerda delira quando diz que é uma revolta das elites. Na crise a elite deixa de ir pra Disney; mas na crise também o trabalhador arrimo de família perde o emprego (estimativa de desemprego para final de 2016: 13%).
A esquerda delira quando dá um ministério para um dito cujo investigado em múltiplas frentes, com o intuito de protegê-lo, e acha que isso descerá goela abaixo da população.
Para mim, a única diferença entre V e D é a faixa verde e amarela que esta última carrega. Mas V podemos tratar. Que fazer com D?