Só não queria morrer de câncer, só isso. Podia ser de qualquer coisa; mas câncer, não.
Meu pai fumava muito, morreu de câncer no pulmão.
Meu avô bebia muito, morreu de câncer no fígado.
Meu bisavô fumava e bebia. Muito. Morreu de câncer, não sei donde. Mas que foi de câncer foi.
Fui estudar; quer remédio melhor? Informação é poder. Fui ler.
Não esses sites pra leigos, fui olhar os estudos mesmo, nus
e crus.
Vi que pão, polenta, queijo e ovos davam câncer no intestino. Além disso, o consumo de grãos refinados, carne de porco, carne processada e álcool também davam o tal câncer. Cortei da minha lista todas estas abominações. Só nesta tacada foi embora o bacon e a salsicha (ou “sauchicha”, como disse Ming), de que tanto estão falando. Bom, aí tem o clássico cigarro. Ah, esse sim é um dos peixes grandes. Não preciso dizer que tabaco nem pensar. Mas, vi ainda, nesta minha busca, que fumo passivo também dava câncer. O jeito foi evitar contato com fumantes. Ainda bem que a maioria dos ambientes na minha cidade eram livres de tabaco. Cortei pão, polenta, queijo, ovos, grãos refinados, carne de porco, carne processada, álcool e amigos fumantes da minha lista.
Tinha o sol. Sol envelhece a pele, e dá câncer nela. Tudo bem, depende do tipo de pele. Mas qualquer pele está sob risco, se ficar muito no sol. Tinha aquela história da camada de ozônio. Ninguém mais falou dos buracos dela, tão na moda alguns anos atrás. Acho que a moda passou. Mas por via das dúvidas, cortei pão, polenta, queijo, ovos, grãos refinados, carne de porco, carne processada, álcool, amigos fumantes e exposição ao sol da minha lista.
Em outro lugar vi que tomar sopa estava associado a câncer de esôfago. Não queria morrer de câncer de esôfago. Não queria morrer de nenhum câncer. Vai que… E o cafezinho heim? Adorava café. Mas estava lá, o maldito! Justo no New England… Tomar duas xícaras por dia aumentava em 80% o risco de câncer de pâncreas. Com mais de três xícaras diárias o risco era 2,7 vezes maior… Que remédio? Assim, cortei pão, polenta, queijo, ovos, grãos refinados, carne de porco, carne processada, álcool, amigos fumantes, exposição ao sol, sopas e cafés da minha lista.
Aí vi sobre o sal e comidas cruas salgadas no Japão. Lá parece que tinha um grande índice de câncer de estômago. E falavam que este aumento era por causa do sal em exagero. Dali pra frente nada mais salguei.
Ainda no oriente,
que interessante:
foram olhar chinesas com câncer de pulmão. E viram que elas, comparadas com chinesas sem a doença, cozinhavam mais! A ideia era que os óleos evaporados provenientes das frituras da comida chinesa são carcinogênicos. Paciência, oras: cortei pão, polenta, queijo, ovos, grãos refinados, carne de porco, carne processada, álcool, amigos fumantes, exposição ao sol, sopas, cafés e cozedura de comida chinesa da minha lista.
Achei que pelo menos os doces estavam a salvo: ledo engano. Parece que bolos, sobremesas e manteiga dão câncer de cavidade oral e faringe. Puxa… E a poluição? Cada 10 micrograma por metro cúbico de poluição de partículas finas eleva em 8% o risco de mortalidade por câncer de pulmão. E tinha a história, ainda, dos aparelhos eletrônicos; em especial o celular. Viram que a associação era fraca e não convincente. Mas vai que… Mudei-me para o campo, e lá vivia então sem pão, polenta, queijo, ovos, grãos refinados, carne de porco, carne processada, álcool, amigos fumantes, exposição ao sol, sopas, cafés, cozedura de comida chinesa, bolo, sobremesas, manteiga, sem poluição e sem aparelhos eletrônicos. A cada dia a lista ia aumentando. Mas estava feliz, estava combatendo meus medos. O problema mesmo foi quando, achando-me saudável, fui fazer uns exercícios para mostrar para a minha esposa o quanto eu estava bem.
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O Darwin Awards premia postumamente as mortes mais inusitadas já registradas. Há relato de que na Alemanha, em 2007, um homem quis impressionar sua mulher e dependurou-se no parapeito da varanda para fazer uma série de flexões de braço. Como tinha vida sedentária, após poucas flexões não aguentou o próprio peso e caiu de seu apartamento no sétimo andar, morrendo empalado em um espinheiro.