Voyeurs dos tempos modernos

110471.183989-Stenio-Garcia-e-Marilene-SaadeLembro-me que quando mais jovem tirava as fotos em filmes de 35mm. Tinha de economizar nos cliques pois em geral suportavam apenas 24 ou 36 fotos. Com essa limitação era necessário capricho. E ainda corria o risco de o filme queimar e eu perder todos os retratos de minhas férias em um só golpe. Aí começaram a vir as câmeras digitais. Os cartões de memória, bytes se transformaram em kilobytes, que transformaram-se em megabytes, que transformaram-se em gigabytes. Quem imaginaria alguns anos atrás que um álbum de fotos teria tamanho “gigabítico”? Com isso, tudo passou do real pro virtual. Ainda lembro das palavras de um amigo meu, sempre com aquele pé na paranoia: “Não confio em nada dessas coisas de internet! Um dia ainda invadem meus dados e perco tudo!” Ouvíamos aquilo com troça, enxergávamo-lo como um conservador reacionário, contra qualquer inovação mais abrupta da ciência e desqualificávamos seus argumentos. Mas parece que em algum ponto ele estava certo. Não adianta falar contra as inovações da tecnologia das quais tanto desfrutamos hoje, inclusive eu. Não é falar mal do que ela nos dá. É reconhecer o quanto também ela nos tira. Dez anos atrás, quantas vezes nos deparávamos com uma pessoa de cabeça baixa, compenetrada a dedilhar alguma coisa em um aparelho engranzado na palma da mão? Ato comum nos dias de hoje; principalmente em elevadores, onde o constrangimento da proximidade física de um estranho fica mais evidente, mas também no trânsito, nas calçadas onde andam pessoas, no transporte público (nas aulas também…). Poderíamos imaginar que estariam a estudar ou aprender alguma coisa, ou a resolver alguma questão importante. Muitas vezes sim; para muitos o smartphone é uma ferramenta de trabalho. Mas muitas vezes não, também. Quantas vezes você já não se pegou navegando pela internet a esmo, sem qualquer motivo? (Eu pelo menos já me peguei diversas vezes fazendo isso.) Apenas para passar o tempo. O ato de pegar o celular tornou-se muitas vezes quase que um tique, um maneirismo. Automatismo. Tiram-nos o tempo. E as redes sociais? Estimulam o contato, sim. Encontrei (e reencontrei) muitos amigos que tinham sumido de minha vida. Mas elas roubam também nossa privacidade. O sedutor desejo de se expor aliado ao medo de ser invadido. Um estímulo ao reprimido e abjeto desejo de voyeurismo. Quem nunca se viu tempo demais bisbilhotando o perfil de um estranho? Ou de uma pessoa que você não quer adicionar mas quer só dar uma espiadinha, para ver o que se passa na vida dela? Nosso tempo, nossa privacidade. Isso a tecnologia nos toma também. (Adenda: que poderíamos falar dos algoritmos do facebook agora, que só expõe em nossa timeline aquilo com que simpatizamos, só nos mostram o que queremos ver? Imaginar o que estariam agora a nos roubar…) E foi numa dessas que mal-intencionados roubaram os nudes e os colocaram na rede aberta. Quando ela fala em “estupro”, pode parecer exagero, mas a analogia é certa: além de roubo, é uma desleal invasão da privacidade alheia.