Vale a pena discutir política pela internet?

05_Flatbed_WEB - MAYEm meio a uma disputa eleitoral acirradíssima (como talvez nunca se viu em terras tupiniquins), os ânimos na rede se exaltaram, e a poucos dias da votação já vemos pessoas aos montes pedindo para que o domingo chegue logo, colocando fim na acalorada disputa. Ao longo das últimas semanas observamos uma saraivada de xingamentos e safanões virtuais, ofensas pessoais e caracterizações negativas em tons desdenhosos, desqualificações e comentários sarcásticos aos montes. Tais atitudes produziram enfaramento até no mais pacífico frequentador das redes sociais, que já não vê a hora de tudo isso acabar, saturado que está de ver sua “timeline” poluída com tanto engajamento político belicoso.

Eis que alguém se pergunta: vale a pena discutir política na internet?

Os estudiosos mais utopistas acreditam ser a internet a salvação de um declínio progressivo das esferas públicas e da civilidade. Segundo Stephen Carter (1998), esta crise é parte de uma crise maior da moralidade, cuja causa primordial é o individualismo – Carter via atos de incivilidade nos motoristas raivosos, nas letras ofensivas de alguns raps, na violência veiculada na televisão, nos discursos de ódio, nas campanhas políticas difamadoras e nos “flamings” da internet.

A rede proporcionaria um lugar onde o discurso livre facilitaria a troca de diferentes ideias, e o exercício da reflexão e da democracia. Além disso, pesquisadores advogam também que para que se exerça a democracia os discursos têm de ser inflamados. A aderência estrita a regras de etiqueta e polidez provocaria a busca artificial por acordo, a procura por tópicos seguros, a colocação de opiniões vagas, a auto-depreciação e o desprezo pela própria opinião, afetando a pluralidade democrática da conversação. Jean-François Lyotard, por exemplo, acredita que anarquia, individualidade e desacordo, mais do que o mero acordo racional, levam a uma verdadeira emancipação democrática. Assim, a retórica incendiária não seria motivo para pânico, pois pode ser uma ferramenta hermenêutica produtiva, importante para o capital democrático.

No entanto, esquecem-se os piromaníacos dos discursos online que as regras de polidez podem ser rompidas, mas é fundamental para o debate que se preserve a civilidade.

Civilidade é um indicador da funcionalidade de uma sociedade democrática. Ela é o exercício de equilíbrio entre o público e o privado, onde se deve permitir a imprevisibilidade e singularidade do ser humano, mas também promover o respeito pelo outro, estimulando assim a democracia. Não obstante, o que se observa muitas vezes é que a comunicação política online acaba se limitando a uma ventilação de emoções e à expressão precipitada opiniões, ao invés de apresentar um discurso racional e focado. Frequentemente vemos os participantes de tais debates adotando o critério de falso-consenso, ou seja, alinhando-se a pessoas com a mesma opinião e ignorando as opiniões contrárias; concebendo-as sempre como desviantes. As opiniões não são dialetizáveis, não aceitam contestação, um lado oposto. Ou seja, as pessoas acabam entrando nas redes sociais não para discutir política, mas sim para “ofender” política, pois já têm sua opinião formada e pouco importa o que vão ler ou “discutir” no âmbito virtual. Alie-se a isso a agressividade demonstrada pelos próprios candidatos, e a enxurrada de mentiras veiculadas por ambos os partidos em suas campanhas, desacreditando toda e qualquer informação recebida pelo eleitor, e temos um cenário onde a opinião própria e a hostilidade prevalecem.

Destarte, se a internet era para ser uma salvação, um espaço para a promoção da democracia, acabamos voltando ao ponto zero e vemos aquilo que Carter apontou como uma crise da civilidade, motivada pelo individualismo.

Eu também torço para que o domingo venha logo. Mas, pensando bem, temo pela segunda: do jeito que as coisas estão polarizadas, como se comportarão os cerca de 50% perdedores a partir de segunda-feira?