A indústria cultural, termo dado por Adorno e Horkheimer à cultura do século XX, delineou-se juntamente com o desenvolvimento tecnológico do capitalismo e se estende até os dias de hoje. A questão central que Adorno coloca acerca da indústria cultural é que nela a produção cultural foi expropriada do indivíduo, do artista como criador, e passou para as mãos da classe dominante, detentora do poder econômico. Antes deste período a cultura era gerada por indivíduos que usavam sua imaginação e espontaneidade para criar arte. Estes dois fatores fomentavam a individualidade das pessoas em detrimento de suas identidades universais, de suas identidades coletivas, advindas do senso de grupo impresso pela sociedade. Assim havia mais liberdade, as pessoas podiam se voltar mais para as individualidades, e mais atos criadores surgiam. Entretanto, a partir do momento em que o capitalismo eclodiu com imensuráveis avanços tecnológicos, a classe dominante, no controle da máquina capitalista, detentora da técnica e do poder através da economia e de seus mecanismos reguladores, viu a necessidade e conveniência de transformar o bem cultural em bem de consumo. Como formas de controle das massas e de manutenção de poder sobre elas. O bem cultural passou a ser não mais fruto de produções individuais disseminadas a grupos, a arte não mais era produto de individualidades originais espontâneas, passou a ser produto de um esquema instaurado e destinado a ser mantido. Toda a produção cultural começou a ser codificada para reproduzir os esquemas do capitalismo, fórmulas a serem repetidas. Com essa repetição, sem o evento novo para atrapalhar o giro da máquina, toda a cultura poderia ser codificada e, desta forma, submetida ao despotismo da classe dominante. Destarte, a classe dominante poderia controlar a massa através da instauração de uma cultura que pudesse ser consumida e controlada.
A indústria cultural acabou com a criação original, gerando “a atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor de hoje”. Tudo foi codificado em esquemas que se reproduzem. Desde o filme de Hollywood, que todos sabemos como começa e como termina (e sentimo-nos felizes e acolhidos quando nos familiarizamos com o final da história, como uma previsão que se realiza), até os grandes sucessos musicais do rádio. Roteiros simbólicos, códigos que produzem e se reproduzem no cinema, no teatro, na televisão, na música. Este jogo de mesmice simbólica é mais profundo do que uma mera repetição de histórias, enredos, no cinema. Vai para além disso; insere-se em nossa maneira de pensar já nas histórias infantis, nos programas de televisão para crianças. Neles a conformação eterna de uma classe submetida, que vê o objeto de desejo mas nunca desfruta do mesmo, é inculcada através da habituação dos sentidos, nos quais se vê que o efeito deles “é o de martelar em todos os cérebros a antiga verdade de que o mau trato contínuo, o esfacelamento de toda resistência individual, é a condição da vida nesta sociedade”. Desde cedo entramos no jogo simbólico da sociedade sabendo que devemos abrir mão de nossas instâncias pessoais para funcionar a favor da sociedade.
Assim existimos não por algum propósito nobre ou humanitário, mas existimos para consumir. As regras do jogo que nos são imputadas traduzem o senso de que vivemos para consumir, e de que conforme o que consumimos, pertencemos a determinada classe detentora de determinada quantidade de poder. Assim como assinalou Pierre Bordieux em “A economia das trocas simbólicas”, moda, língua, comportamentos, gostos musicais, e ao abarcando tudo isso a cultura, fazem parte de um jogo simbólico que determina em que posição da estrutura social estamos. Neste jogo a classe mais favorecida economicamente é detentora de um conjunto de símbolos que o classifica como tal. À grande massa restam os produtos da indústria cultural, ditados pela classe dominante. Massa que quer sempre acender mas nunca ascende, que quer usufruir do gozo mas nunca consegue; resultado da constante domesticação de prazeres frustrados a que somos submetidos desde os desenhos animados que assistimos. É como se fôssemos constantemente bombardeados por símbolos que nos dissessem inconscientemente que devemos consumir, nos frustrar, nos contentar, e que nada fora deste esquema é válido ou tem valor.
É desta maneira que o trabalhador, na produção sem sentido de seu trabalho, pois integra apenas uma peça minúscula de uma enorme máquina capitalista que tem por finalidade apenas a perpetuação do sistema, sai do serviço e consome lazer, diversão, amusement. Entretanto, este prazer não pode sair do esquema, deve representar a mesmice do sistema e deve, portanto, entrar na linha de produção. O indivíduo sai de uma linha de produção como produtor e entre em outra como consumidor. Nisso tudo o que deve importar é a quantidade, é o movimento constante, cíclico do consumo. Se em um filme somos inundados com uma parafernália tecnológica de efeitos especiais e estímulos visuais que, concomitantemente com um enredo ilógico e vazio, tem por objetivo não deixar que paremos para pensar no que estamos fazendo, este mesmo movimento é reflexo assim como indutor do motor que devemos carregar para que consumamos incessantemente. Somos desta forma doutrinados a consumir e a nos conformar com a não realização do desejo individual, da satisfação pessoal, gerando assim um círculo vicioso onde nosso individual é cada vez mais silenciado em prol da manutenção da sociedade consumista.
Não há quase mais individualidade, há apenas coletividade. A indústria cultural, que tudo já codificou de maneira que nada lhe escape, e que já inculcou seu esquema de consumo capitalista nos esquemas de pensamento das pessoas, não tolera coisas fora daquilo que codificou (“risco inútil”). Já está tudo codificado, até os movimentos ditos rebeldes, já são classificados como “revolté” e desta forma acabam entrando no esquema capitalista e reforçando-o, como antítese.
E para perpetuar este esquema é essencial que se tenha um ritmo. Assim, tudo deve “continuamente fluir, estar em movimento. Pois só o triunfo universal do ritmo de produção e de reprodução mecânica garante que nada mude, que nada surja que não possa ser enquadrado”. O círculo vicioso se fecha; constante bombardeamento do esquema social de aceitação da frustração, de diminuição da individualidade, de seus desejos e de seus conseqüentes atos criadores (imaginação e espontaneidade) em prol da sociedade, da identidade de grupo. Os esquemas a serem inculcados são sempre os mesmos, o de incitar o desejo mas de nunca o satisfazer. O vazio e a frustração como força motriz, a sublimação como conformação a um desejo que sempre é buscado mas nunca alcançado. Fome, insaciável. A máquina de consumo, símbolo macroscópico do sistema capitalista, faz-se como representante microscópico no indivíduo que desenvolve a fome consumista. O todo que é igual às suas partes. Assim some o indivíduo, imerso na cultura.
O ritmo constante desta fome faz com que tudo se planifique, faz com que tudo permaneça na superfície. Não há tempo para o aprofundamento e eventuais questionamentos, o ritmo e o movimento contínuo, citado anteriormente, destrói a possibilidade de reflexão, de introspecção e da conseqüente abordagem do interior. O que importa não é o conteúdo, mas o movimento. Não importa muito o que se consome, importa é que se consome.
A indústria cultural cria, desta forma, indivíduos com pouca individualidade, mais coletivos do que singulares, que não são permitidos a fazer outra coisa que não consumirem, restando-lhe o vazio do esquema onde o válido é o movimento pelo novo, novo destituído de conteúdo já que o que importa é o movimento em si; novo vazio.